terça-feira, 23 de julho de 2019

[LITERATURA] – Entrevista com Fabio Shiva

Olá, leitor do Cantinho da Traça!

Hoje estamos aqui para dar continuidade ao perfil do autor Fábio Shiva, que concedeu uma entrevista escrita ao blog falando um pouco de sua carreira enquanto escritor, de sua obra e de planos.

Para isso, a entrevista foi dividida em três partes: Histórico, que fala um pouco de como ele iniciou a carreira de escritor; Obra, na qual ele fala de suas obras até o momento; Literatura, parte em que Shiva nos conta um pouco de sua experiência literária e de conceitos pessoais que o norteiam.

Espero que gostem do que tem por vir.

Divirtam-se!

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PARTE 1: HISTÓRICO


Cantinho da Traça: O que o inspirou a escrever?

Shiva:  Lembro claramente do momento em que descobri que queria ser um escritor. Eu tinha 11 anos e havia acabado de arrumar na estante os tesouros de minha pequena coleção recém-iniciada: alguns exemplares de Agatha Christie, outros de José de Alencar, mais um ou dois com as aventuras de Sherlock Holmes e uma dúzia de episódios da série de ficção científica Perry Rhodan. Lembro que fiquei por um longo momento contemplando aqueles livros tão queridos, sentindo muita gratidão pelas tantas emoções que eles haviam me proporcionado, e então decidi que sempre iria querer fazer parte daquela magia, daquele encantamento. Eu me inspirei a escrever motivado pela paixão da leitura.



Cantinho da Traça: Por que caminho decidiu começar a escrever?

Shiva: Comecei escrevendo letras para as músicas que eu fazia junto com meu irmão Fabrício, quando eu tinha 7 ou 8 anos. Por essa época escrevi também meus primeiros poemas. Então comecei pelo caminho duplo da Música e da Poesia. 


Cantinho da Traça: Por que escolher escrever literatura policial?

Shiva: Minha motivação maior sempre foi escrever histórias que eu gostaria de ler. Sempre fui um grande apaixonado pelo romance policial, então meu primeiro livro, “O Sincronicídio”, lançado em 2013 pela Caligo Editora, foi ao mesmo tempo uma homenagem e um mergulho nesse universo da literatura policial, com referências às principais vertentes do gênero, desde o clássico mistério do “whodunit” às truculentas cenas “noir”, passando pela escatologia contemporânea e até pelo tradicional “mistério do quarto fechado”. Um detalhe curioso é que eu acreditava que seria um escritor de romances policiais para o resto da minha vida. Contudo venho descobrindo que a Literatura é acima de tudo um exercício existencial, que propõe suas próprias demandas. Hoje procuro mais “ouvir o canto da Musa” que determinar eu mesmo o caminho que devo seguir como escritor.


Cantinho da Traça: Quando e como começou a escrever contos?

Shiva: Escrevi meu primeiro conto aos 14 anos. Chamava-se “Uma questão de princípios” e era sobre um homem de meia idade que assassinava um adolescente após uma discussão fútil ocorrida no Metrô. Infelizmente não sei o que aconteceu com esse texto, perdeu-se no tempo. Por isso considero minha estreia como contista como tendo ocorrido no livro duplo “Labirinto Circular“ / “Isso Tudo É Muito Raro", lançado em 2016 pela Cogito Editora. Esse livro teve uma origem interessante, pois nasceu da dificuldade que encontrei para publicar meu primeiro romance. Fiquei quatro anos escrevendo “O Sincronicídio”, depois levei mais dois anos buscando uma editora. Já estava me conformando em não ser publicado, quando levei uma bronca daquelas de uma amiga muito querida, Elda Araújo, que foi uma de minhas maiores incentivadoras. Ela falou algo assim: “Então você quer ser que nem Van Gogh, morrer sem que ninguém conheça o seu trabalho?” Isso despertou algo dentro de mim, acho que me arrancou da zona de conforto. Decidi escrever contos para participar de antologias, para começar a me inserir no mercado, e acabei reunindo esses doze em um livro duplo, desses em que a capa de um é a contracapa do outro. E com isso acho que liberei alguma energia interna, pois, quando menos esperava, meu romance acabou sendo publicado pela Caligo.
  





PARTE 2: OBRA


Cantinho da Traça: Pode nos falar mais sobre suas obras?

Shiva:  Até o momento publiquei dois romances. Além de “O Sincronicídio”, lancei agora em 2019 “Favela Gótica”, pela Verlidelas Editora. É basicamente uma transposição da literatura gótica, que é recheada de monstros como mortos-vivos, lobisomens e vampiros, para o universo temático de uma favela brasileira. Considero uma obra bem diferente, que poderíamos classificar como uma “distopia fantástica”, onde a trama policial aparece de forma secundária. Como já mencionei, publiquei também um livro de contos. Fora esses, atuei como organizador de um livro coletivo muito interessante, chamado “Escritores Perguntam, Escritores Respondem", um bate-papo sobre literatura entre doze escritores de vários cantos do Brasil e dos estilos mais diversos. Essa foi uma experiência tão marcante que agora está sendo revivida na forma de uma série de vídeos muito legais do site MundoEscrito. Organizei duas antologias poéticas: “Doce Poesia Doce”, junto com Ivan de Almeida (que também organizou o “Escritores...”), publicado pela Cogito em 2018, e “Poesia de Botão”, junto com Sergio Carmach, em uma bela edição que será lançada brevemente pela Verlidelas. Tive ainda a oportunidade maravilhosa de escrever, junto com meu irmão Fabrício Barretto, o roteiro do filme “ANUNNAKI– Mensageiros do Vento”, a primeira ópera rock em animação produzida no Brasil, lançada em 2016, além do livro “MANIFESTO – Mensageiros do Vento”.


Cantinho da Traça: Quais são seus planos para o futuro na literatura?

Shiva: Rapaz, são tantos, que só peço a Deus saúde e disposição para escrever tantos livros! Atualmente estou escrevendo uma espécie de “romance de não ficção” contando de forma lúdica parte da história da banda de heavy metal Imago Mortis. E também estou preparando com muito carinho um livro infantil: “Meditação para Crianças”.



Cantinho da Traça: Li “O Sincronicídio”, gostei muito e terminei o livro com uma pergunta que acho que todos aqueles que o leram se fazem: haverá continuação?

Shiva: Gratidão por sua leitura e por essa energia boa! Na verdade, a continuação de “O Sincronicídio” surgiu antes da história que é ali apresentada. Eu comecei escrevendo um outro livro, chamado “A Mais Tocada de Todos os Tempos”, mas fui progressivamente reescrevendo e recuando um pouco mais na história a cada vez, até que acabei caindo em outro livro! Eu pretendo sim retomar essa trama algum dia, mas no momento isso não é prioridade.  Foi um livro muito divertido de se escrever, mas foi também extremamente trabalhoso. Por agora, sinto vontade de experimentar coisas diferentes.



Júlio Cortázar


Cantinho da Traça: Percebo em suas obras um cunho bastante social que, ao meu ver, funciona como uma espécie de assinatura sua. Pode nos falar mais sobre isso?

Shiva: Recentemente travei contato com as maravilhosas “Aulas de Literatura” do Julio Cortázar, onde ele estabeleceu três etapas distintas em sua própria caminhada literária, com as quais me identifiquei muitíssimo. O primeiro momento, que ele chama de “estético”, é marcado pela busca de uma “arte pela arte”, pela construção de uma narrativa esmerada e repleta de qualidades literárias. Essa etapa foi determinante em meus primeiros escritos e em boa parte da estruturação de “O Sincronicídio”. O segundo momento é batizado como “histórico”, e define uma conscientização, por parte do autor, de que sua literatura existe em um contexto social, e que possui responsabilidades sociais, por assim dizer. Penso que a concepção mais profunda de “O Sincronicídio” e, principalmente, de “Favela Gótica”, foi marcada pela percepção dessa responsabilidade. Nunca desejei escrever apenas por escrever, para ocupar de forma agradável as horas ociosas do leitor. Acredito que a literatura deve entreter, deve ser interessante e divertida, mas a diversão jamais deve ser um fim em si mesma, a meta maior da literatura. Para isso já temos toda a indústria cultural. Literatura é arte, e a arte deve servir para melhorar o homem de alguma forma, libertá-lo de suas amarras psíquicas e existenciais, ajudá-lo a transcender sua mera condição animal. E é aí que chegamos ao terceiro momento descrito por Cortázar, que ele chama de “metafísico”. Ele usou outras palavras para descrever algo que hoje representa para mim o cerne de minha motivação como escritor: a literatura deve servir à Verdade. Por “Verdade”, entendo aquilo que é real, em oposição ao que é ilusório. É muito difícil falar sobre esses assuntos utilizando uma linguagem comum. Para isso, hoje acredito, é que existe a literatura.


Cantinho da Traça: O que mais você gosta em sua obra e o que acha que poderia mudar?

Shiva: Gosto muito do fato de que tento não me repetir. E poderia mudar tudo, sempre. Sinto que escrever é um aprendizado infinito. Não consigo imaginar algum momento no futuro em que eu não tenha muitíssimo a aprender.


PARTE 3 – LITERATURA

Cantinho da Traça: Já pensou em parar de escrever? Se sim, como foi? O que o manteve escrevendo?

Shiva: Sim, pensei em parar, e foi terrível! E é justamente isso o que me mantém escrevendo. Quando por algum motivo eu encerro o dia sem ter escrito, sinto-me fracassando existencialmente, traindo meus valores mais sagrados. A Literatura é a minha religião.



Cantinho da Traça: Que dificuldades você enfrenta em seu processo de escrita? Como transcende?

Shiva: Já enfrentei e enfrento as dificuldades mais comuns envolvidas no processo de escrever: a procrastinação, o bloqueio, a preguiça pura e simplesmente, os becos aparentemente sem saída. Acredito que a transcendência vem da “lição da água”, no sentido que as artes marciais e a espiritualidade dão a essa expressão: fluir, ser flexível e não rígido, buscar sempre o caminho de menor resistência, a posição mais humilde. Daí vêm a força e a grandeza da água. As dificuldades fazem parte de qualquer caminho que valha a pena, penso que devemos reconhecê-las como parte do processo, não ficar brigando muito com isso. Como diria nosso amado Jung, “tudo a que se resiste, persiste”.


Cantinho da Traça: Como você acha que um escritor deve ler?

Shiva: Como um aprendiz de feiticeiro, sempre tentando desvendar “como o truque foi feito”. Alguns livros devem ser lidos duas, três vezes ou mais. Contudo esse olhar mais técnico nunca deve suprimir o encantamento. Devemos aprender como o truque é feito e, ao mesmo tempo, continuar acreditando na magia.


Cantinho da Traça: Que dicas você daria a outras pessoas que estão pensando em começar a escrever ou que já escrevem?

Shiva: Se você sente um chamado real para escrever, é porque existe algo em você que precisa ser expresso, para o bem do mundo. Tente ouvir essa voz interna, que está querendo se expressar. Siga essa voz. Acredite nela.


Cantinho da Traça: Que orientações você dá aos autores que estão pensando em publicar?

Shiva: Hoje é muito fácil publicar, seja de forma independente ou através de uma das inúmeras editoras sob demanda que existem no mercado. Publicar digitalmente, então, é mais fácil ainda. Então o ato da publicação, em si, possui pouca relevância atualmente. Por isso minha sugestão é: não se afobe para publicar o primeiro texto que você escreveu. Pesquise, estude, observe. Isso ajudará sua intuição a decidir quando e como agir.





Cantinho da Traça: Poderia descrever um pouco como funciona seu processo criativo?


Shiva: Posso resumir meu processo criativo em uma frase, retirada das escrituras védicas: “nada do que faço sou eu quem faz”. Acredito que o artista é, na bela definição de Ezra Pound, a “antena da raça”. Então meu processo consiste em principalmente captar, escutar. Embora eu tenha consciência de que sou eu que escrevo os meus textos, não me sinto realmente o autor deles. Cada vez mais, tenho uma sensação de escrever como um ato de magia, de materialização no aqui e agora de algo que já existia em alguma outra dimensão. Percebo cada história como uma espécie de novelo de lã, e escrever é conseguir segurar a ponta desse novelo e vir puxando, lentamente, palavra por palavra, com cuidado para não partir o fio. É um processo cansativo, que exige muita concentração. Às vezes o fio se rompe e é preciso começar tudo de novo. Mas às vezes conseguimos desenrolar o novelo inteiro, e há muita felicidade nesses momentos. Depois vem a parte técnica do processo, que é burilar o texto, revisar, cortar palavras. Mas o parto de um texto é sempre algo que me enche de reverência, como um ato sagrado.



Cantinho da Traça: Pode nos falar sobre sua experiência com a Editora Verlidelas?


Shiva: Só tenho elogios e agradecimentos a fazer. A Verlidelas é uma editora pequena, mas com um coração gigante! Iniciou suas atividades há pouco tempo, mas já lançou uma boa quantidade de excelentes trabalhos, que primam pela qualidade em cada detalhe.  E o melhor de tudo é que se trata de uma Editora de verdade, que possibilita ao autor publicar seu livro sem ter que custear a edição. Não poderia ser de outro modo, tendo à frente o querido amigo Sergio Carmach, que admiro igualmente como escritor e como ser humano. Longa vida à Verlidelas!

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