Olá, degustadores de
papel! Estamos aqui para mais um momento Cantinho da Traça para conversarmos sobre
livros.
Hoje vou comentar sobre
uma antologia cuja leitura me marcou muito; a autoria pertence a grandes
expoentes da literatura nacional. Editada pela Casa da Palavra, com 156
páginas, estou falando de Páginas do
Futuro: Contos Brasileiros de Ficção Científica, cuja apresentação e
seleção foi realizada por Braulio Tavares, escritor e compositor brasileiro.
A antologia é composta por
doze contos de renomados escritores nacionais, a saber: Raquel de Queiroz (“Ma-Hôre”);
Ataíde Tartari (“Veja seu futuro”); Joaquim Manuel de Macedo (“O fim do mundo”);
Oswald Beresford (“O inimigo gaseificado, ou a vingança do sr. Concreto”);
Rubem Fonseca (“O quarto selo – fragmento”); Finisia Fideli (“Exercícios de
silêncio”); Fábio Fernandes (“Uma breve história da maquinidade”); Fausto
Fawcet (“Vanessa von Chrysler”); André Carneiro (“Do outro lado da janela”);
Luiz Bras (“Déjà-vu”); Jerônimo Monteiro (“O copo de cristal”) e Ademir
Assunção (“15 minutos”).
Já na apresentação,
reconheço, senti o impacto de um texto rico e bastante esclarecedor sobre
ficção científica. Se antes não tinha interesse em escrever contos baseados do
gênero, fiquei no mínimo com vontade de tentar um dia. É aqui que podemos ver quantas
possibilidades existem na ficção científica. Braulio Tavares nos leva a uma viagem
breve pela história da FC, fala-nos sobre os autores e produções
internacionais, desnuda alguns dos autores nacionais que ora aqui, ora ali,
brilharam neste segmento. Por fim, ainda nos presenteia com um resumido
panorama do mercado editorial brasileiro, assim como sobre a formação dos
autores de FC.
Despois dessa
impactante introdução, é a vez dos contos. O primeiro é de Raquel de Queiroz,
cujo título é “Ma-Hôre”. Ressalto que a autora já havia me conquistado com seu
livro O Quinze (do qual falarei em
outro post), mas esse conto me mostrou que não é preciso ser escritor de FC
para se produzir uma história envolvente e curiosa. Em “Ma-Hôre”, Raquel de
Queiroz nos mostra uma criaturinha (cujo nome é o mesmo do conto) de outro
planeta que, ao se encontrar com humanos, se vê envolvida numa viagem a
contragosto. O desenrolar da narrativa é envolvente e seu desfecho, no mínimo,
curioso.
Em “Veja seu futuro”,
Ataíde Tartari brinca com o tempo. Sua ideia de imergir o leitor na
possibilidade de viajar para o futuro mexe com uma possibilidade atraente
dentro desta temática já batida. Conto curto e sedutor, foi um dos que mais
gostei.
Já o conto “O fim do
mundo”, de Joaquim Manuel de Macedo, me pareceu mais uma brincadeira do autor.
Uma brincadeira de dizer verdades. Apesar de gostar do grande clássico de Macedo
(A luneta mágica), este conto já não
me atraiu tanto, apesar de sua atmosfera absurda e fantasiosa. Acho mais
interessante como uma crítica do que como um conto de ficção científica.
Oswald Beresford, com
sua trajetória trágica, me interessou mais do que seu conto. Sempre tenho uma
atenção maior às obras dos suicidas. Entretanto, seu conto “O inimigo
gaseificado, ou a Vingança do Sr. Concreto” apresenta possibilidades
interessantes para quem curte críticas sociais bem mescladas à fantasia.
Infelizmente não foi desta vez que Oswald me comprou com sua obra, apesar do
final surpreendente de seu texto.
Rubem Fonseca, para
mim, foi mais feliz, com “O quarto selo (fragmento)”. Sou admirador de Fonseca e
já li obras de sua autoria como A coleira
do cão e outros contos, Feliz ano
novo (que considero sensacional), Secreções,
excreções e desatinos (outro dos meus preferidos); além destes, tenho mais
alguns na minha fila de leituras. Tenho o objetivo de ler todas as suas obras
antes de morrer, por aí já dá para perceber como respeito o cara. Neste conto, Fonseca
mostra que é mais do que um escritor de romances policiais. Com linguagem
curta, diálogos rápidos e uma terminologia própria do universo que criou, ele
consegue criar um clima cada vez mais tenso, cujo estopim é clássico de seu
estilo de produção literária. Para mim, nota dez.
Finisia Fideli, uma das
duas únicas mulheres que participaram da seleta, nos prestigia com um conto
mais lento, mas não menos interessante: “Exercícios de Silêncio”. Aqui, ela nos
envolve em um mundo no qual uma vida de paz e de reencontro consigo mesmo é
possível, desde que consigamos nos libertar da dependência do mundo externo (da
objetividade, das paixões, apegos, tecnologias etc.) e mergulhemos em nosso próprio
mundo interno, onde encontraremos senão autossuficiência, algo próximo a isso.
Um conto bem trabalhado e sóbrio.
Já Fábio Fernandes, em “Uma
breve história da maquinidade”, acelera o ritmo da antologia e, em um cenário steampunk, insere-nos entre
personalidades históricas e fantasiosas clássicas como Viktor Frankenstein,
James Watt, Erasmus Darwin, Joseph Priestley entre outros. Essa mistura foi
muito feliz, e o conto me surpreendeu pela forma como foi imaginado e escrito.
Deixou-me curioso para ler outras obras do autor.
“Vanessa von Chrysler”,
de Fausto Fawcet, traz um ritmo ainda mais eletrizante. Sua atmosfera violenta,
mas repleta de símbolos, nos conduz a um universo semelhante ao de uma alucinação.
André Carneiro já nos
traz, em “Do outro lado da janela”, alguém que se vê cada vez mais absorvido
pelo outro lado de seu próprio vazio existencial. De uma mancha cuja causa é
desconhecida, o narrador chega a uma inversão de sua própria vida num absurdo
final simbólico surpreendente.
Outro conto dos que mais
gostei foi o de Luiz Bras, “Déjà-vu”, que pode ser lido tanto do modo
tradicional quanto de trás para frente. A tentativa de se colonizar um planeta,
chegando a um misterioso templo bem protegido por criaturas mortais, me lembrou
muito o filme da década de 1990, Tropa Estelar,
cuja premissa muito me agrada. Para mim, o conto é um dos melhores.
Jerônimo Monteiro, com
seu conto “O copo de cristal”, também prendeu minha atenção. A ideia do autor
foi genuína e a conclusão impactante. A trama se desenvolve a partir de um copo
de cristal, capaz de criar imagens tocantes a qualquer um, menos ao seu próprio
dono. Perturbador em sua proposta. Foi um dos contos que mais apreciei na
coletânea.
Por último, “15 minutos”,
de Ademir Assunção. Confesso que entendi menos ainda do que “Vanessa von
Chrysler”, mas as imagens criadas pelo texto do autor, e o forte apelo
psicodélico, me levaram a tatear pelos conteúdos do inconsciente coletivo.
Com essa breve
pincelada pelos contos, espero ter dado a você, leitor, um sabor longínquo do
que pode ser aventurar-se pelo tempero nacional da ficção científica. Espero
que gostem tanto quanto eu.
Até a próxima,
M.M
Sobre Braulio Tavares: Escritor, poeta, compositor brasileiro, é ainda
cronista e organizador das antologias Páginas de Sombra: Contos Fantásticos Brasileiros, Contos
Fantásticos no Labirinto de Borges, Freud
e O Estranho: Contos Fantásticos do Inconsciente e Contos Obscuros de Edgar Allan Poe, todas publicadas pela Casa da
Palavra. Tem autoria sobre as obras A
Espinha Dorsal da Memória (1989), A
Máquina Voadora (1994), Mundo
Fantasmo (1996) e ABC de Ariano
Suassuna (2007), dentre outras crônicas, ensaios, traduções e poesias.
Revisão e copidesque: Karen Alvares